segunda-feira, 22 de maio de 2017

Exames de Imagem para Hérnia de Disco - parte 4 - riscos à saúde e prejuízos





Os exames de imagem, como Ressonância Magnética, Tomografia Computadorizada, Radiografias e, eventualmente, outros, são uma conduta que pode ser utilizada no processo de avaliação de um paciente que procura um serviço profissional com queixa de dores ou hérnias de disco na coluna lombar. De fato, muitos pacientes e profissionais (médicos, fisioterapeutas e outros) parecem acreditar que a realização de um exame de imagem é benéfica para se ter certeza que a avaliação é correta e, dessa forma, trazer mais resultados no tratamento.


O que vamos ver a seguir é que existem uma série de prejuízos e riscos à saúde, além da ausência de benefício. Essa informação é muito séria e não é dita de forma leviana. São diversos os estudos que nos mostram isso, e nossa intenção é apresentar as informações originárias destes, de forma simples e sintetizada para todos.

Sempre importante frisar, existem situações em que os exames de imagem são realmente benéficos (e importantes) em pessoas com dores lombares. Mas essas situações, na maior parte das vezes, são as de pessoas que não tem uma dor lombar de origem lombar, e sim problemas mais graves (doenças inflamatórias ou infecciosas, fraturas e outras) que geram dores na coluna.




Ausência de Benefícios Clínicos
Em pessoas com dor lombar (aguda ou crônica) sem evidências da presença de condições graves, a utilização de exames de imagem parece não trazer qualquer benefício extra, conforme nos mostra uma revisão da literatura (1). Isso vale tanto para pessoas com dor lombar isolada à coluna, como com dores que irradiam (ciática) para a perna. Para se chegar a essa conclusão, foram analisados estudos que compararam a efetividade do tratamento em indivíduos com dores que realizaram exame de imagem (ao procurarem o serviço de saúde devido às dores), comparados com outros que não o fizeram. De fato, tanto em relação à dor quanto à capacidade funcional, não foram observadas diferenças importantes, no curto ou no longo prazo, havendo um leve benefício de não se realizar imagem em relação ao bem estar (qualidade de vida).




Tomografias Computadorizada e Radiografia - Exposição à Radiação
A preocupação com a radiação recebida pelos indivíduos tem sido fonte de preocupação, levando a estudos de acompanhamento populacional e verificação da quantidade de radiação à qual os indivíduos foram expostos e ao desenvolvimento de estimativas de novos casos de câncer devido a isso (2, 3, 4).

No caso das Tomografias Computadorizadas, a radiação a qual uma pessoa fica exposta durante um exame poderia, quando realizada, por exemplo, 3 ou mais vezes no mesmo órgão, levar a um aumento no risco do desenvolvimento de câncer (2). As estimativas sugerem que, nos EUA, de 1,5 a 2% de todos os casos de câncer possam ou venham a ser atribuídos à radiação devido à Tomografia Computadorizada (2). Outras estimativas apontam para, aproximadamente, 29000 casos de câncer devido à radiação oriunda das Tomografias Computadorizadas (3). Num estudo que analisou informações de mais de 600000 (seiscentos mil) indivíduos que realizaram exames de imagem (incluindo Tomografias, Radiografias e outros) nos Estados Unidos, ao longo de três anos, observou-se que foi realizado cerca de 1,2 exame por pessoa em cada ano e que doses consideradas altas ou muito altas de exposição à radiação por ano ocorreram em aproximadamente 20 de cada 1000 indivíduos (4).




Ressonância Magnética - Reações ao Contraste
O uso dos contrastes pode ser necessário nos exames de ressonância magnética, assim como em outros exames, como nas tomografias computadorizadas. Mas e riscos? Há riscos em seu uso? São riscos elevados, ou são riscos mínimos? Quais, especificamente, são esses riscos?

Em relação aos contrastes usados nas ressonâncias, alguns dos efeitos adversos imediatos mais comuns podem ser náuseas, vômitos, cefaléia e urticária, irritação local além de potenciais efeitos tardios, como aumento da tensão arterial ou síncopes (5). A presença de uma reação adversa específica chega a acontecer, aproximadamente, a 1% dos pacientes, sendo que o acontecimento de qualquer uma delas acomete, no máximo, 5% dos pacientes, e reações anafiláticas acontecem em 1 em cada 100000 a 500000 (cem a quinhentas mil) aplicações de contraste (5). Sugere-se atenção a pessoas com história de problemas renais, situações de uso crônico do contraste, anemia falciforme, grávidas, lactantes e pacientes pediátricos (5).

O risco de se ter uma reação alérgica no uso dos contrastes a base de gadolíneo, nas ressonâncias magnéticas, parece ser bem pequeno. Para se chegar a essa informação, diversos estudos nos quais foram analisados os prontuários de pacientes que realizaram ressonância magnético com uso de contraste. A incidência de se ter uma reação aguda de qualquer natureza, desde uma simples irritação na pele ("rash" cutâneo) até condições mais graves variou entre 0,079% até 0,48% (6, 7, 8). A incidência de respostas anafiláticas variou entre 0,01% e 0,0079% (valor aproximado, 9,8% de 0,079%) (6, 8), sendo a taxa de mortalidade observada entre 0% e 0,009%  (6, 7), sendo este último valor relativo a casos utilizando o contraste a base de gadolíneo que mais parece, segundo os estudos (7, 8) promover reações adversas, no caso, o gadobenato dimeglubina. Mulheres e indivíduos com histórico de alergia parecem mais predispostos e, talvez, também indivíduos com histórico de asma ou que já tenham apresentado reações ao contraste anteriormente (7, 8). Em relação à ressonância da coluna lombar, apenas um estudo verificou a incidência das reações adversas, relatando-a como sendo de  0,0034% e citando que são mais comuns em ressonâncias do abdômem (0,013%) (7).









Associação com indicações cirúrgicas e outros procedimentos invasivos e iatrogenia e Custos Maiores
Uma análise retrospectiva* das informações clínicas e intervenções do sistema de saúde, envolvendo as informações de 1000 indivíduos, foi realizada, acompanhando-se, por 2 anos, os dados dessas pessoas (9). Eram trabalhadores que procuraram o sistema de saúde devido a dor lombar incapacitante, muitos com dor ciática, mas sem condições graves (como tumores, fraturas e outras). Foram subdivididos naqueles que receberam ressonância magnética (até 30 dias após o início dos sintomas) e nos que não receberam ressonância, assim como em relação a presença ou não de dor ciática e outros fatores. O que se observou na análise de dados é que, independentemente da pessoa ter ciática ou não, pessoas com pequeno nível de incapacidade que realizaram ressonância magnética para avaliação apresentavam uma média de custos com tratamentos e exames $8000 (oito mil dólares) maior que aqueles que não realizavam ressonância magnética, sem obter, ao longo do tempo, qualquer benefício extra em termos de melhoria da incapacidade. Quando a análise foi feita incluindo-se todos os indivíduos (tanto com incapacidade mínima quanto com outros níveis de incapacidade), os custos de quem realizou ressonância magnética foram, aproximadamente, $13000 (treze mil dólares) maiores do que aqueles de quem não realizou ressonância, sem diferenças na melhoria clínica observada. Esse custo extra reflete novos exames, novas consultas, tratamentos e medicamentos utilizados por essas pessoas.

Uma outra análise retrospectiva* dos dados clínicos e de uso do sistema de saúde foi realizada, buscando comparar o tipo e o momento de utilização dos recursos do sistema de saúde, além dos gastos dessa utilização, comparando indivíduos que seguiram os guias clínicos recomendados na aplicação das ressonâncias magnéticas com os que não seguiram (10). O acompanhamento dos dados foi feito num período de 2 anos, sendo que os pacientes (cerca de 3000 indivíduos) apresentavam dores lombares ou ciática sem condições graves (como fraturas, tumores e outras) sendo que, para análise adequada das informações, subdividiram os pacientes naqueles que receberam ressonância magnética precocemente (grupo "precoce", ressonância realizada até 30 dias após início dos sintomas), aqueles que receberam ressonância um pouco depois ("no tempo", ressonância realizada de 42 a 180 dias após início dos sintomas) e os que não realizaram ressonância. Os pacientes também foram subdivididos como tendo sintomas menos severos (dor lombar inespecífica) e mais severos (suspeita diagnóstica de hérnia de disco, ciática, estenose, neuropatia e outros - sendo que a suspeita diagnóstica mais comum foi de radiculopatia,  sugerida em mais de 80% dos casos). E o que os resultados mostraram? Que o risco de, em indivíduos com condições de severidade similar, receberem condutas invasivas e outros serviços diagnósticos (cirurgias, exames como eletroneuromiografia, discografia, cintilografia, novas ressonâncias e outros) era significativamente maior naqueles que realizavam a ressonância (em qualquer momento) do que naqueles que não a realizavam, sendo maiores nos que realizavam ressonância precoce em relação aos que a realizavam posteriormente, e que, descontando os custos da ressonância inicial, os custos com saúde totais eram menores nos que não faziam ressonância, em relação aos que a realizavam tardiamente, e menores nestes em relação aos que a realizavam cedo. Ou seja, quanto antes se realizava a ressonância, maiores os gastos posteriores.


* análise retrospectiva é quando pegam os dados anotados de pacientes que já passaram pelo serviço de saúde. Contrapõe-se à análise prospectiva, na qual acompanha-se, o paciente, ao longo do tempo. Na primeira analisam os dados que foram coletados tempos atrás. Na segunda, vai se coletando os dados à medida em que se acompanha o paciente. O primeiro é ver o "replay" do lance, o segundo é acompanhar o lance "ao vivo".




Mas por que a realização da Ressonância Magnética traz mais custos e promove maior número de outras intervenções clínicas?
Considerando que o que foi exposto acima (9, 10) mostra que o uso da ressonância magnética, independentemente do tipo ou intensidade da dor (inespecífica ou ciática), ou da gravidade, é o que promove a realização de novos exames clínicos, novas consultas e/ou intervenções de profissionais de saúde, incluindo-se aí a realização de cirurgias, cabe responder ao porque existe esse efeito. Diversas possíveis razões foram sugeridas (9, 10, 11).

Em primeiro lugar, esse efeito talvez se deva às preocupações, tanto de pacientes como profissionais, em relação a se tratar e investigar os achados do exame de ressonância inicial. Talvez esteja-se acreditando numa cura completa, o que leva a realização de novos tratamentos, talvez a crença de haja relação direta entre o exame de imagem e os sintomas leve à requisição de mais exames. Tanto os pacientes podem requisitar aos profissionais (ou mesmo exigir) a realização de novos exames ou tratamentos, tanto os profissionais podem acreditar serem estes necessários ou importantes para o benefícios de seus pacientes.

Dentro de todo esse contexto, há ainda a possibilidade dos novos achados de um primeiro exame de imagem, achados estes de significado clínico nulo, serem considerados importantes e estimularem a realização de novos exames e tratamentos, aumentando o custo de todo o processo. Há ainda, eventuais riscos da realização desses exames e tratamentos, o que pode, então, levar a mais exames e tratamentos.



Outros prejuízos operacionais dos exames
Outros aspectos não estudados que, muitas vezes, ficam invisíveis na analise do custo-benefício de se realizar exames de imagem para dores lombares, são questões práticas. Já falamos a respeito de custos e riscos porém, outro aspecto é o tempo. Para se realizar um exame de imagem gasta-se tempo. Não somente o tempo da realização do exame em si, mas também o tempo para se deslocar ao local do exame e para retornar após sua realização. É um aspecto de importância menor que, porém, também vale se lembrado. Outro aspecto ainda relacionado ao tempo é que a expectativa que se tem de que o exame deva ser realizado obrigatoriamente, ou de que ele possa trazer algum benefício ao tratamento (que, como vimos, não traz) pode fazer com que o início do tratamento seja postergado. Veremos num texto mais pra frente, que fala dos Benefícios da Fisioterapia, que essa maior demora parece estar relacionada a menores benefícios clínicos do tratamento. Ou seja, atrasar o início do tratamento faz com que o paciente possa obter menos resultados e gastar mais, e uma das razões para essa demora pode, eventualmente, ser a idéia errônea que se tem de que o exame de imagem deva ser realizado ou de que traga benefícios nos pacientes com dores lombares não graves.



E quais as soluções para que se limite a realização de exames de ressonância (e outros) desnecessariamente?
Uma das soluções talvez seja a de educar tanto os eventuais pacientes como os profissionais da saúde responsáveis pelos atendimentos, em relação á utilização adequada dos exames de imagem, baseada nas informações dos guias clínicos mais atuais. Juntamente a isso, estimular a interação dos profissionais e a transmissão desses conhecimentos ("peer-to-peer communication") e, uma outra solução, é o estabelecimento de programas de tratamento direcionados em cada condição (ex: dor inespecífica, dor irradiada, etc) (9, 10). Essas, porém, são hipóteses. O que se tem de mais concreto, embasado numa revisão sistemática de 2015, mostra que duas estratégias conseguiram reduzir o número de pedidos de exame (12). A primeira estratégia era o "apoio à decisão clínica" e consistia numa adaptação do documento de requisição do exame de imagem, no qual se listavam apenas 3 situações clínicas aceitáveis para tal requisição. Ou seja, o profissional requerente tinha de escolher entre essas 3 opções para justificar a decisão de realizar o exame.  A segunda estratégia eram os "lembretes dirigidos", orientações, baseadas nos guias clínicos, enviadas aos médicos de uma instituição, orientando em relação a quando, no que se refere à apresentação clínica do paciente, se deve requisitar os exames.



Considerações Finais
O que vimos aqui nos permite, de forma muito embasada, questionar o uso dos exames de imagens em pessoas com dores lombares ou ciática, que não tenham origens graves para seus sintomas. Tanto os exames de imagem não trazem benefícios ao tratamento clínico, como apresentam riscos diretos e levam os pacientes, devido à sua realização em si, a uma tendência de realizarem mais exames e outras intervenções clínicas, levando a um aumento dos gastos que não se traduz em melhores resultados. Dessa forma que, ao menos como profissionais e/ou usuários dos sistemas de saúde, saibamos conversar, de forma mais embasada a respeito deste assunto.





Referências
1. Chou R, Fu R, Carrino JA, Deyo RA. Imaging strategies for low-back pain: systematic review and meta-analysis. The Lancet. 2009 Feb;373(9662):463–72.

2. Brenner DJ, Hall EJ. Computed tomography--an increasing source of radiation exposure. N Engl J Med. 2007 Nov 29;357(22):2277–84.

3. Berrington de González A, Mahesh M, Kim K-P, Bhargavan M, Lewis R, Mettler F, et al. Projected cancer risks from computed tomographic scans performed in the United States in 2007. Arch Intern Med. 2009 Dec 14;169(22):2071–7.

4. Fazel R, Krumholz HM, Wang Y, Ross JS, Chen J, Ting HH, et al. Exposure to Low-Dose Ionizing Radiation from Medical Imaging Procedures. New England Journal of Medicine. 2009 Aug 27;361(9):849–57.

5. Shellock FG, Kanal E. Safety of magnetic resonance imaging contrast agents. J Magn Reson Imaging. 1999 Sep;10(3):477–84.

6. Li A, Wong CS, Wong MK, Lee CM, Au Yeung MC. Acute adverse reactions to magnetic resonance contrast media--gadolinium chelates. Br J Radiol. 2006 May;79(941):368–71.

7. Prince MR, Zhang H, Zou Z, Staron RB, Brill PW. Incidence of immediate gadolinium contrast media reactions. AJR Am J Roentgenol. 2011 Feb;196(2):W138–43.

8. Jung J-W, Kang H-R, Kim M-H, Lee W, Min K-U, Han M-H, et al. Immediate hypersensitivity reaction to gadolinium-based MR contrast media. Radiology. 2012 Aug;264(2):414–22.

9. Webster BS, Bauer AZ, Choi Y, Cifuentes M, Pransky GS. Iatrogenic consequences of early magnetic resonance imaging in acute, work-related, disabling low back pain. Spine. 2013 Oct 15;38(22):1939–46.

10. Webster BS, Choi Y, Bauer AZ, Cifuentes M, Pransky G. The cascade of medical services and associated longitudinal costs due to nonadherent magnetic resonance imaging for low back pain. Spine. 2014 Aug 1;39(17):1433–40.

11. Fisher ES, Welch HG. Avoiding the unintended consequences of growth in medical care: how might more be worse? JAMA. 1999 Feb 3;281(5):446–53.

12. Jenkins HJ, Hancock MJ, French SD, Maher CG, Engel RM, Magnussen JS. Effectiveness of interventions designed to reduce the use of imaging for low-back pain: a systematic review. Canadian Medical Association Journal. 2015 Apr 7;187(6):401–8.





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