Entender o que é e como funciona a dor lombar implica também em entender o que acontece com os sintomas ao longo do tempo, e o que influencia sua manutenção ou melhoria. Dessa forma, entender a história natural e os fatores prognósticos das dores lombares é um componente importante.
Essa importância não se limita à compreensão da dor lombar, mas tem aplicações clínicas. Saber como a dor, e/ou as limitações físicas, vão melhorando com o passar dos dias nos serve para verificarmos se são nossas condutas que estão fazendo efeito, ou se é apenas o tempo que está promovendo essa melhora. Por outro lado, saber aquilo que favorece uma melhora mais ou menos acentuada, ou mesmo o agravamento das dores, nos permite estabelecer métodos de enfatizar os aspectos positivos, ou de tratar e/ou corrigir aquilo que agrava as dores, ou limita sua melhoria.
Para falar a respeito desses temas, estaremos utilizando os artigos que agregam as informações feitas em estudos menores, como as revisões sistemáticas (sobre as quais já falamos aqui) e as meta-análises.
História Natural
As dores e limitações físicas de indivíduos que desenvolvem uma crise aguda de dores lombares e/ou ciática (1,2) tendem a melhorar muito nas 6 a 12 primeiras semanas (especialmente nas 6 primeiras) após seu início, continuando a melhorar posteriormente, porém, de forma muito menos intensa. Esse padrão geral parece ocorrer tanto em quem recebe tratamento como para quem não recebe (2).
Por outro lado, a maior parte das pessoas que tiveram uma crise inicial de dor lombar (cerca de 65%) apresentam, ainda, alguma dor após 1 ano do episódio inicial (3). De fato, cerca de 3 a 40% das pessoas com dor afastadas do trabalho o continuam assim mesmo cerca de 6 meses depois do início das dores, e de 24 a 37% têm recidiva de afastamento (4). Por outro lado, de 44 a 78% das pessoas apresentam recidiva das dores no período de um ano (4) sendo esta, possivelmente, uma das causas para a porcentagem de pessoas que continuam com dor mesmo após 1 ano da crise inicial (3).
É importante lembrar que, nos estudos científicos, as pessoas
avaliadas têm, via de regra, um nível
de dor bastante intenso. Essa costuma ser uma exigência dos estudos,
justamente para poder se verificar como a dor e as limitações se comportam ao
longo do tempo. Dessa forma, numa escala que vai de 0 a 10 (sendo 0 a
ausência de qualquer dor, e 10 a pior dor possível) a média de boa parte dos
estudos costuma ser 6. Pessoas com dores
menores tenderão a ter sua dor seguindo o mesmo padrão encontrado e,
dessa forma, quanto menor a dor (digamos, 2 ou , por exemplo), diferentemente
do que é mostrado nos estudos, essa dor (e as limitações físicas) tenderá a
ser eliminada ou se tornar insignificante de forma mais rápida.
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Outro aspecto a destacar é que as informações apresentadas, acima, a
respeito da história natural são as médias.
As histórias individuais podem variar bastante, e um acompanhamento feito
semana a semana, por exemplo, pode mostrar flutuações no nível de dor,
limitações e outros ítens, bastante variadas (14).
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Prognóstico
Sabemos diferenciar quais pacientes com dor irão ter uma melhora significativa em comparação com aqueles que não irão melhorar? O prognóstico de uma condição é a previsão que temos a respeito dela. No caso da dor lombar, veremos a seguir se podemos, ou não, prever quais perfis de indivíduos irão ter uma melhora mais ou menos significativa das dores e das limitações físicas.
Quais são os indicadores de pior ou melhor prognóstico?
Exame Físico
Em relação ao exame físico, poucos achados parecem ter importância em predizer o prognóstico. A palpação (seja de dor, tônus muscular ou assimetrias), amplitude de movimento (da coluna ou do quadril), presença de dor ao movimento da coluna, testes especiais para articulação sacro-ilíaca, testes funcionais, força ou endurance muscular, testes neurológicos (incluindo "Straight Leg Raise" e outros), parecem não ter importância prognóstica (5).
Por outro lado, o fenômeno da centralização (abolição da dor em segmentos mais distais do corpo em resposta a movimentos repetidos do tronco) pode ser um fator que indica maior potencial de melhora da dor a curto prazo, enquanto a presença de sinais não-orgânicos parece predizer uma pior evolução a longo prazo (5).
Sinais não orgânicos (9):
1- sensibilidade superficial excessiva e/ou
não-anatômica
2- dor à compressão vertical (cabeça) ou à rotação
simulada
3 - não-reproducibilidade da dor quando paciente está
distraído
4 - fraqueza ou alteração sensorial regional
5- reação excessiva (dor a estímulos não-nocivos)
Aspectos Psicológicos
A crenças de evitação por medo ("fear avoidance beliefs") parecem também indicar um pior prognóstico (6,7) especialmente para dores lombares subagudas (2 semanas até 3 meses de duração) e relacionadas ao retorno ao trabalho ou dias de ausência (7).
Mas o que são essas "crenças de evitação por medo"?
Basicamente, são os pensamentos que a pessoa tem que fazem com que ela evite realizar as atividades do dia a dia
ou a realização de exercícios, promovendo, dessa forma, a inatividade. A
inatividade, por sua vez, leva ao descondicionamento físico, que leva a mais
dor, levando a medo e a mais pensamentos de evitar atividades, levando a mais
inatividade, estabelecendo-se assim, um círculo vicioso, ao invés de, logo de
início, "encarar" as experiências que poderiam desencadear a dor (11).
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Meios de mudar essas crenças são recomendados para maior efetividade do tratamento (7). Já a catastrofização, que são crenças e padrões de pensamento excessivamente negativos em relação à dor ou lesão, parecem correlacionados com piores prognósticos tanto em pacientes com dores agudas, subagudas e crônicas (8). Maiores níveis de limitação funcional, maior insatisfação ou níveis de exigência física no trabalho, ou alterações psiquiátricas também parecem ser preditoras de piores prognósticos nas dores lombares (6).
Expectativas negativas de melhora das dores foram indicadoras de continuidade do afastamento do trabalho em indivíduos com dores agudas e subagudas, quando em comparação com indivíduos que tinham expectativas mais positivas (10).
A presença de depressão ou sintomas depressivos aumenta o risco de se ter recidivas, assim como parece aumentar o risco de um pior prognóstico (12, 13).
Considerações Finais
A dor lombar apresenta uma melhora intensa nas primeiras semanas após seu início (incluindo indivíduos com dor ciática) mas apresenta muitos casos de recidivas, com interferência no trabalho, além da maior parte dos indivíduos apresentar, mesmo após um ano, a presença de algum nível de dor. Por outro lado, por mais que alguns ítens do exame físico possam ser importantes em relação ao estabelecimento de um prognóstico, os aspectos psicológicos se destacam, sendo que tanto as crenças de evitação por medo, a catastrofização, expectativas negativas em relação à melhoria ou a presença de sintomas depressivos parecem indicar um pior prognóstico.
Referências
1. Menezes Costa L d. C, Maher CG, Hancock MJ, McAuley JH, Herbert RD, Costa LOP. The prognosis of acute and persistent low-back pain: a meta-analysis. Canadian Medical Association Journal. 2012 Aug 7;184(11):E613–24.
2. Artus M, van der Windt D, Jordan KP, Croft PR. The clinical course of low back pain: a meta-analysis comparing outcomes in randomised clinical trials (RCTs) and observational studies. BMC Musculoskeletal Disorders. 2014;15(1):68.
3. Itz CJ, Geurts JW, van Kleef M, Nelemans P. Clinical course of non-specific low back pain: a systematic review of prospective cohort studies set in primary care. Eur J Pain. 2013 Jan;17(1):5–15.
4. Hestbaek L, Leboeuf-Yde C, Manniche C. Low back pain: what is the long-term course? A review of studies of general patient populations. Eur Spine J. 2003 Apr;12(2):149–65.
5. Hartvigsen L, Kongsted A, Hestbaek L. Clinical examination findings as prognostic factors in low back pain: a systematic review of the literature. Chiropr Man Therap. 2015;23:13.
6. Chou R, Shekelle P. Will this patient develop persistent disabling low back pain? JAMA. 2010 Apr 7;303(13):1295–302.
7. Wertli MM, Rasmussen-Barr E, Weiser S, Bachmann LM, Brunner F. The role of fear avoidance beliefs as a prognostic factor for outcome in patients with nonspecific low back pain: a systematic review. Spine J. 2014 May 1;14(5):816–36.e4.
8. Wertli MM, Eugster R, Held U, Steurer J, Kofmehl R, Weiser S. Catastrophizing-a prognostic factor for outcome in patients with low back pain: a systematic review. Spine J. 2014 Nov 1;14(11):2639–57.
9. Waddell G, McCulloch JA, Kummel E, Venner RM. Nonorganic physical signs in low-back pain. Spine. 1980 Apr;5(2):117–25.
10. Hallegraeff JM, Krijnen WP, van der Schans CP, de Greef MHG. Expectations about recovery from acute non-specific low back pain predict absence from usual work due to chronic low back pain: a systematic review. J Physiother. 2012;58(3):165–72.
11. Vlaeyen JW, Linton SJ. Fear-avoidance and its consequences in chronic musculoskeletal pain: a state of the art. Pain. 2000 Apr;85(3):317–32.
12. Pinheiro MB, Ferreira ML, Refshauge K, Ordoñana JR, Machado GC, Prado LR, et al. Symptoms of Depression and Risk of New Episodes of Low Back Pain: A Systematic Review and Meta-Analysis. Arthritis Care Res (Hoboken). 2015 Nov;67(11):1591–603.
13. Pinheiro MB, Ferreira ML, Refshauge K, Maher CG, Ordoñana JR, Andrade TB, et al. Symptoms of depression as a prognostic factor for low back pain: a systematic review. Spine J. 2016 Jan 1;16(1):105–16.
14. Kongsted A, Kent P, Hestbaek L, Vach W. Patients with low back pain had distinct clinical course patterns that were typically neither complete recovery nor constant pain. A latent class analysis of longitudinal data. Spine J. 2015 May 1;15(5):885–94.
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